Um passo solitário até a morte
Terríveis sonhos que teve ontem
Quando sua mente, destemida, ousou abrir
O breu do inferno
Pairou no abismo
Viu que bichos habitavam lá
Paula sentia, no centro de si, o calafrio do cemitério
Descer avenidas
Invadir a sua casa
Penetrando na espinha
Na tatuagem das costas estava marcado o território
Dos anjos de uma asa só
Anjos expulsos e postos à chama do mistério
Ela procura as chaves enquanto a lua vai embora
Acelera fundo, destrói os muros
A garota abre caminhos
Ela é o vento
Paula e o seu sentimento
Menina ansiosa em ser mulher
No orvalho do amanhecer encontra o silêncio
Pára o carro.
- Um café e um pão com queijo, por favor.
Digere-se fazendo refeição.
O pesadelo agora é dia
segunda-feira faz começar o teatro do cotidiano
Que retorna forte
Desequilibrando as essências, os gostos raros, os nortes
E Paula nem mais sabia o que era noite, o que era dia...
Todo o seu corpo flutuava cinza
Sobre a inquietude das ideias do coração.
Pedro Paulo Rosa.
terça-feira, 8 de setembro de 2009
terça-feira, 1 de setembro de 2009
DE REPENTE
O frio chegou de repente
Entrou por debaixo das frestas
Criou arrepio nas costas da moça
Morena adocicada com olhar ardente
Cheguei pela porta dos fundos
Entro devagar para não acordar o patrão
As mãos femininas já me esperam nos cantos escuros
Na sala do primeiro andar nos chocamos
Beijo a tez dessa mulher intensa. Quente...
A casa está vazia, todos dormem em outra dimensão, somos o cosmos
E o pão da aurora que sussurra
Dentre as montanhas nossos indecifráveis caminhos
Trigo assando, forno aquecendo os corpos
Desenhando o alimento dos vivos; quero seus gritos, urros e língua
Desço sua blusa, você a minha bermuda
Algodões saem das nuvens e forram os lençóis da cama
Onde piso agora é no grão de seus seios
O frio cessa na orquestra da chuva fina sobre a lama que se forma
Junto ao meio-dia
Nesse cotidiano clandestino parecemos ciganos
Fuçando ouro sob farsas
Percebendo a presa antes do bote
Só você e eu sabemos a chave do segredo, a porta do nosso medo
Só você e eu, morena, podemos nos defender do estilhaço do nosso enredo.
Pedro Paulo Rosa.
Entrou por debaixo das frestas
Criou arrepio nas costas da moça
Morena adocicada com olhar ardente
Cheguei pela porta dos fundos
Entro devagar para não acordar o patrão
As mãos femininas já me esperam nos cantos escuros
Na sala do primeiro andar nos chocamos
Beijo a tez dessa mulher intensa. Quente...
A casa está vazia, todos dormem em outra dimensão, somos o cosmos
E o pão da aurora que sussurra
Dentre as montanhas nossos indecifráveis caminhos
Trigo assando, forno aquecendo os corpos
Desenhando o alimento dos vivos; quero seus gritos, urros e língua
Desço sua blusa, você a minha bermuda
Algodões saem das nuvens e forram os lençóis da cama
Onde piso agora é no grão de seus seios
O frio cessa na orquestra da chuva fina sobre a lama que se forma
Junto ao meio-dia
Nesse cotidiano clandestino parecemos ciganos
Fuçando ouro sob farsas
Percebendo a presa antes do bote
Só você e eu sabemos a chave do segredo, a porta do nosso medo
Só você e eu, morena, podemos nos defender do estilhaço do nosso enredo.
Pedro Paulo Rosa.
AMARGO SAL
- Saia já daí, menino! Se você não largar do pé do seu irmão, vou te meter o cacete!
Estrada cheia, mar de carros. Bíblias, Pulgas, dúvidas, calafrio e o sermão pastoral acompanhavam o rebanho dos trabalhadores exaustos talvez pelo laboro, talvez pela mesmice dos seus dias iguais. Frederico, filho de Guilherma, instigava o seu irmão mais novo, Guilherme, a brigar. Nove anos o primeiro; cinco o segundo. A mãe, morena bem apanhada, limpava quilos de roupa em uma lavanderia em Copacabana.
Hoje foi o dia em que trouxera os filhos, magros meninos, para conhecerem o “presente azul”. Para se fazer a surpresa, eles precisaram esperá-la sair do expediente.
- Mãe, demorou muito a senhora! Guilherme já vomitou três vezes de fome em cima do meu colo.
- Fome, Frederico? Dei dois tostões para vocês comprarem o sanduíche!
- Não deixaram nem a gente entrar pra comprar nada, ora! – replicou Frederico, com a pele espessa sob tanta sujeira mesclada à raiva por estar sentindo-se lesado e ridicularizado pelos balconistas das lanchonetes adjacentes.
- Parecem que tavam com medo de nós – continuou. Guilherme estava mais quieto, meio sonolento; de mãos dadas à mãe.
Guilherma desconversou, dizendo que os levaria para conhecerem o tal do “presente azul”, promessa feita há dois anos para os filhos. Pensando entre suspiros e lembranças, a mulher quis cuspir sobre os balconistas. Ora, são tão pobres quanto eu! Onde já se viu, pobre contra pobre?! Homem contra criança?!
A separação não se dava mais por quem não tinha dinheiro ou por quem o tivesse, media-se a inclusão pela aparência do que o exterior mostra. Tal constatação tornou-se um vibrante eco de desespero na cabeça da dedicada mãe.
- Esperem aqui, vou comprar um lanche pra vocês. Hambúrguer ou pão com ovo, meninos?
- Quero x-tudo! – gritou Guilherme
- Não vai dar para voltarmos pra casa. Ou ovo, ou hambúrguer. Trouxe o resto de coca-cola do patrão. Dá pra nós três muito bem, é só o Seu Frederico não meter a mãozona grande dele!
Eles riram, daqueles risos que, se você demorar mais, transfigura-se em lágrimas.
Ao término de cinco minutos Guilherma retornou com os lanches; o dela apenas foi o resto de coca-cola, em porção menor que a dos filhos. Houve insuficiente coragem para ela tirar deles a sua justa porção. As mães, geralmente, conseguem pegar para si as cicatrizes das peles da cria. Correm às mais altas montanhas sob o intuito de conseguir a última água da terra e a dão à prole.
Avenida Brasil cheia. Guilherma se segura no ferro do coletivo, Frederico e Guilherme sentados na escada da saída. Em dez minutos entram dois camelôs; um deles é uma criança de, no máximo, 12 anos. Vendedor de balas. O incrível é perceber tanta gente nascida do amargo vendendo o doce. O ar de conformidade nos rostos daqueles passageiros transformava-se em alegria quando presenciavam mercadorias doces, balas, bananadas, paçoca e cocada. A guloseima parecia pausar a vida incerta, bruta.
Antes de pegar o ônibus, a família foi conhecer o mar (“presente azul”). Os garotos jamais foram tocados pela maresia. Berros, corridas e brincadeiras entre os dois irmãos na praia. Guilherma olhou orgulhosa de si e dos filhos sadios correndo sobre a areia, por uma primeira vez. Ela desconhecia quando poderia ser a próxima. Entretanto observá-los desfrutando da inédita ação foi um êxtase, êxtase tão grande quanto o que a invadia ao se deitar com Naldo, seu segundo marido. O primeiro fora o pai dos filhos, um bêbado que se matou colocando-se em frente ao trem. Naldo não era o seu amor, ela sabia. Pelo menos, pensava, ele dava aos meninos a paciência que não receberam do pai verdadeiro.
Ver-da-dei-ro...Verdade o que seria para Guilherma? Para a estrada? Uma vida sobrevoada por fumaças opacas, exalando exclusão e desespero. Qual verdade ali, naquele contexto, haveria? O amor, eu arrisco nele.
Páro, olho no fundo dos olhos de Guilherma e levanto-me, oferecendo-a o assento. Ela aceita. Retribuo-a com um sorriso sem jeito e pergunto-me: onde guardo, debaixo de qual gaveta, atrás de que móvel, de qual CD resguardo àquela força determinada - que de tanto vigorante - brilhava nos olhos daquela mulher? Mulher comum e nobre; tão doce e tão amarga. Em pé, obtive uma visão melhor do cenário da família, percebendo que Guilherma estava acompanhada das suas duas crianças. Sorri igualmente a elas. Desde então, escutei toda a historia acima. De quando em quando, a lavadeira cessava o verbo para dar vazão às águas dos olhos escorrendo. E eu, ainda sem jeito, ainda indagante sobre meus próprios medos, escrúpulos e verdades. Limpei o amargo suor descendente de minha testa. Amargo Sal, mas lindo constatar a Vida dos que brigam por viver. E beber desse vigor.
Pedro Paulo Rosa.
Estrada cheia, mar de carros. Bíblias, Pulgas, dúvidas, calafrio e o sermão pastoral acompanhavam o rebanho dos trabalhadores exaustos talvez pelo laboro, talvez pela mesmice dos seus dias iguais. Frederico, filho de Guilherma, instigava o seu irmão mais novo, Guilherme, a brigar. Nove anos o primeiro; cinco o segundo. A mãe, morena bem apanhada, limpava quilos de roupa em uma lavanderia em Copacabana.
Hoje foi o dia em que trouxera os filhos, magros meninos, para conhecerem o “presente azul”. Para se fazer a surpresa, eles precisaram esperá-la sair do expediente.
- Mãe, demorou muito a senhora! Guilherme já vomitou três vezes de fome em cima do meu colo.
- Fome, Frederico? Dei dois tostões para vocês comprarem o sanduíche!
- Não deixaram nem a gente entrar pra comprar nada, ora! – replicou Frederico, com a pele espessa sob tanta sujeira mesclada à raiva por estar sentindo-se lesado e ridicularizado pelos balconistas das lanchonetes adjacentes.
- Parecem que tavam com medo de nós – continuou. Guilherme estava mais quieto, meio sonolento; de mãos dadas à mãe.
Guilherma desconversou, dizendo que os levaria para conhecerem o tal do “presente azul”, promessa feita há dois anos para os filhos. Pensando entre suspiros e lembranças, a mulher quis cuspir sobre os balconistas. Ora, são tão pobres quanto eu! Onde já se viu, pobre contra pobre?! Homem contra criança?!
A separação não se dava mais por quem não tinha dinheiro ou por quem o tivesse, media-se a inclusão pela aparência do que o exterior mostra. Tal constatação tornou-se um vibrante eco de desespero na cabeça da dedicada mãe.
- Esperem aqui, vou comprar um lanche pra vocês. Hambúrguer ou pão com ovo, meninos?
- Quero x-tudo! – gritou Guilherme
- Não vai dar para voltarmos pra casa. Ou ovo, ou hambúrguer. Trouxe o resto de coca-cola do patrão. Dá pra nós três muito bem, é só o Seu Frederico não meter a mãozona grande dele!
Eles riram, daqueles risos que, se você demorar mais, transfigura-se em lágrimas.
Ao término de cinco minutos Guilherma retornou com os lanches; o dela apenas foi o resto de coca-cola, em porção menor que a dos filhos. Houve insuficiente coragem para ela tirar deles a sua justa porção. As mães, geralmente, conseguem pegar para si as cicatrizes das peles da cria. Correm às mais altas montanhas sob o intuito de conseguir a última água da terra e a dão à prole.
Avenida Brasil cheia. Guilherma se segura no ferro do coletivo, Frederico e Guilherme sentados na escada da saída. Em dez minutos entram dois camelôs; um deles é uma criança de, no máximo, 12 anos. Vendedor de balas. O incrível é perceber tanta gente nascida do amargo vendendo o doce. O ar de conformidade nos rostos daqueles passageiros transformava-se em alegria quando presenciavam mercadorias doces, balas, bananadas, paçoca e cocada. A guloseima parecia pausar a vida incerta, bruta.
Antes de pegar o ônibus, a família foi conhecer o mar (“presente azul”). Os garotos jamais foram tocados pela maresia. Berros, corridas e brincadeiras entre os dois irmãos na praia. Guilherma olhou orgulhosa de si e dos filhos sadios correndo sobre a areia, por uma primeira vez. Ela desconhecia quando poderia ser a próxima. Entretanto observá-los desfrutando da inédita ação foi um êxtase, êxtase tão grande quanto o que a invadia ao se deitar com Naldo, seu segundo marido. O primeiro fora o pai dos filhos, um bêbado que se matou colocando-se em frente ao trem. Naldo não era o seu amor, ela sabia. Pelo menos, pensava, ele dava aos meninos a paciência que não receberam do pai verdadeiro.
Ver-da-dei-ro...Verdade o que seria para Guilherma? Para a estrada? Uma vida sobrevoada por fumaças opacas, exalando exclusão e desespero. Qual verdade ali, naquele contexto, haveria? O amor, eu arrisco nele.
Páro, olho no fundo dos olhos de Guilherma e levanto-me, oferecendo-a o assento. Ela aceita. Retribuo-a com um sorriso sem jeito e pergunto-me: onde guardo, debaixo de qual gaveta, atrás de que móvel, de qual CD resguardo àquela força determinada - que de tanto vigorante - brilhava nos olhos daquela mulher? Mulher comum e nobre; tão doce e tão amarga. Em pé, obtive uma visão melhor do cenário da família, percebendo que Guilherma estava acompanhada das suas duas crianças. Sorri igualmente a elas. Desde então, escutei toda a historia acima. De quando em quando, a lavadeira cessava o verbo para dar vazão às águas dos olhos escorrendo. E eu, ainda sem jeito, ainda indagante sobre meus próprios medos, escrúpulos e verdades. Limpei o amargo suor descendente de minha testa. Amargo Sal, mas lindo constatar a Vida dos que brigam por viver. E beber desse vigor.
Pedro Paulo Rosa.
Assinar:
Postagens (Atom)