sexta-feira, 30 de outubro de 2009

CALMAMENTE PALHAÇO




O palhaço arregassa toda a alegria
Deixa-se pronto para arrasar
Envolver com o seu brilho de pirata

A plateia que se honra em lhe aplaudir...

Brilho galante que ao mesmo tempo que fisga, assusta
Atemoriza à mulheres jovens,
À crianças frágeis
Que não entendem o movimento do palhaço

No meio fio da alegria e do desespero

Ele freme as mãos, suspira num sorriso e, pelos armários de si,
Salvaguarda um pesar de um Abril passado;
Quando chocolates não melaram a sua alma.
Vai deixando sua alegria se esvair, derramar pelas mãos


Essa recordação o paralisa; e agora ele jaz estático no camarim
O público o grita, mas não responde aos berros
Pois o amargor do doce não deliciado fincou ransos de melancolia no velho palhaço
O qual nem mais saía, nem mais subia os fios do circo,
as lonas centrais,
Nem mais tocava na rosa escarlate da bailarina
Rosa que ensaia ser o coração verdadeiro da moça

E o palhaço bem que merecia um novo coração, de preferência feito de pétalas
E ornado de trigos frescos

Mas o avivador de almas, o pregador de sorrisos derrama-se sobre o sofá
Tateia as cômodas do camarim à procura da garrafa de uísque
Entorna em si o líquido ainda quente enquanto dos olhos perfeitamente maquilados
Desce uma lágrima.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Entre O Pôr - do - Sol e as Àguas...

Na verdade, a garota não sabe muito bem o que ela quer. Mesmo sob este sol escaldante de Domingo ainda não decidiu se prefere a praia ou ficar debaixo do lençol vendo desenho, apenas na companhia das pipocas e do ar-condicionado.
Ah! Tinha esquecido-me, ficaria à sós ela e sua saudade. Metade dela deixava-se dominar por esta marca doída da recordação, que persiste sempre em atacar-nos nos dias de sol ou de chuva.

Do nada, Mariana levanta-se da cama, procura um chá no armário debaixo da pia da cozinha, mas não o encontra. Olha pela janela, admirando o sol e decide-se: Vai à praia. Dessaruma gavetas à procura de seu recém comprado biquíni roxo e, nas mãos que saltam entre meias, blusas, sutiãs, Mariana reencontra suas velhas cartas. Cartas escritas por cinco anos ao seu primeiro namorado. Tocada, retira-as da pequena caixa de papelão e as acaricia numa mistura de saudade e remorso. Seu interior não admitia a vontade dela o ter perdoado a traição. Foi um impulso tão grande de orgulho (seria mesmo orgulho?) ter mandado ele partir. Afinal, era um homem tão raro...- pensava Mariana.

Qual a distância de um perdão e de um rancor?

Perguntou-se isso pelas três horas que aproveitou das águas geladas da praia. Boiou, boiou, logo depois estirava-se nas areias para contemplar gaivotas mescladas ao anil dominical. Em seu peito surgiu um frêmito, uma emoção diferente. Mariana suspirou entre asfixiada e sonolenta e, ali, entre o pôr - do - sol e as águas de Iemanjá, morreu.

TUDO

Tudo o que eu quero é pousar no seu infinto
Ser junto a você o seu atrito, o seu enfeite
Todo o elã que compõe o seu corpo

Nas esferas todas que envolvem os aromas doces da sua boca
Ou da pele macia
Em faísca de vulcão que só se acalma
Nas águas do meu coração

Olho as estrelas e vislumbro aquilo que vivemos
E rememoro as canções dos sorrisos, que, em dupla,
Agiram na cama, na roda de flores
Nos sofás, no chão, pelos tapetes
Até atingir o ápice do céu interior

Até atingir o núcleo fecundo da carne
Que envolve os ventos e refresca a alma.

Para sempre.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

HOJE, ONTEM E AMANHÃ

Eu ainda me acomodo na escuridão que se derrama da noite e da que escoa de mim. Repouso essas três folhas sobre a velha poltrona da sala da avó.
Logo abaixo, jaz o colchão. Desfiapento, suado de anos, submisso a tantos e tantos corpos, que, nem sempre nus, viveram o prazer. Seja por uma noite sem pesadelos ou em consequencia duma inesquecível cópula.
Quase não enxergo aquilo que escrevo, tal qual uma galinha quando corre entre os gravetos na fuga da navalha, mas não assimila bem o que está por trás dela. Assim estou, sem as certezas firmes que guiam os abismos, que guiam as certezas de um “homem de metas”.
Só que as metas sempre são atropeladas pelos tratores da minha avenida. Comigo, o Improvável está no leme, sendo o condutor das trilhas. Igualmente a agora, sob este quase sem-luz, quem salta acima de meus olhos são estas palavras.
Palavras grandes, sensuais, oferecidas. Estão loucas para agarrarem vocês, despirem seus botões para encontrar as curvas clandestinas. Não é de insônia de que sofro. São 23 h 45 min e sei que, caso deite-me, adormecerei. Entretanto, a chama a qual me alarma chama-se escrita. Fome de papéis e de canetas.
Por isso, a eles me rendo. São companheiros fiéis e sensíveis. Percebem o núcleo dos sorrisos e choros; efusões e mazelas. Nessa solidão mascarada em que me encontro guardo a impressão, assim como protejo a certeza desse suor literário o qual exala de meus poros, de que esse breu transformar-se-á em plena flor de luz. Porque eu não busco mangues. Ao contrário, embora seja (eu e todos nós) a junção de Deus e do Diabo, persisto em fincar meus pés e mergulhar minha alma nas favas tranquilizantes do sol.
Dito isso, poderei aquietar-me de verdade e resguardar estas folhas; dobrá-las em três, quatro pedaços, como se fosse um mapa.
Mapa da mina
Mapa do sonho, do ideal, do corte final com esse mundo. Ou, apenas uma lembrança digna de um diário que sobreviva gerações e gerações da família que pretendo parir.
O ser-humano é algo, realmente, estranho, paradoxal. Somos feitos de sonhos, tão imersos em expectativas e inseguranças, cujo fato suscita e fomenta a criação de ensaios de um Estado, de uma nação, uma moeda “nacional” etc. Criamos uma razão forçada, a qual é, de forma contumaz, reduzida a pó pelo fogo solar do coração.
Salve o Sol!
Salve o coração!
Salve a palavra! Sobretudo, salve os gestos que ressoem paz e mudança. Para hoje, ontem e amanhã;

Pedro Paulo Rosa.