quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

FLOR DE 2010



Escrevo para coroar-lhe, Lua adorada. E neste ponteiro de ano que se finaliza, abro meus olhos, admiro-te, suspiro grandes esperanças e Charles Dickens invade a cabeça. Hoje um velho contou que Charles veio dos Céus, enviado de Deus.
Seja o divino dos escritores, do mar ou do pó; dos católicos, evangélicos ou candomblecistas, olho para você, dama da noite, e peço paz. Rogo por transformação, daquelas nascidas de chama vigorosa, capaz de transcender o grão puído do chão em brilhante flor de maio.
Crianças adulteradas pela desnutrição africana, ou jovens mães da via Apia da Glória; meninas prostituídas da Índia ou calhordas do Senado brasileiro - da nuvem mais dourada sairá, sem dúvida, a luz virgem de um novo sol. Sol do ano novo, vento da nova maré, raiz de outra terra. E, deste modo, a magia da natureza os transmutará, me repartirá em outro, desfalecendo minhas velhas células e programados sorrisos doentios, causando em nós, em todos nós do Mundo, a esperança que age.
Infinito e Imperativo: são com esses tempos do verbo que desejo verbalizar a nossa alma, que de tão individualizada torna-se conjunta, coletiva. Implacavelmente, interdependendo. Tal como a flor de maio suga a água subsolar, tal como a minha janta é retirada pelo suor do carpinteiro. Assim como as águas da minha boca deságuam no esgoto da pia, que se encana até o mar onde os turistas banham-se, onde nos encontramos para amarmo-nos em beijos quentes e esperançosos, à espera de um ano novo melhor. Que venha a flor de 2010, pois a disposição para romper os espinhos do ramo jaz pronta, abastecida de vontade.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

SALPICADO DE ÊXTASE



Saindo de casa por volta de quinze para as onze da noite. Fiz isso para simplesmente admirar a praia, olhar o movimento do silêncio que a noite traz. E com esse calado dos sons, me calar igualmente; do mesmo modo, com a mesma força. E nesse infinito não dizer, tentar entender todos na base do primeiro toque, do primeiro olhar.
Como um caçador que entende cada desvio de caminho, ou um índio, sabedor de praticamente todos os grunhidos da floresta. Floresta? Ainda há? Mas quanta pretensão guardada é essa que me vai por dentro? Querer o silêncio, a floresta, desejar todos os barulhos do mundo e entender o rápido olhar de cada ser...Só pode ser loucura, ou exagerei no café.
Tenho é de ficar quieto admirando a lua cheia refletindo na água da praia enquanto, subitamente, as ondas revoltas não retornam a quebrar sobre a areia lisa e absorvente. Tão sugadora quanto eu do mundo, tão eroticamente pedinte quanto uma morena de calcinha vermelha e seios descobertos rebolando na cara do marido. Ou do amante.
Subitamente, os grilos param de cantar, talvez mortos de exaustão ou envergonhados com a tamanha chatice de seu cântico, e a chuva cai torrencialmente em cima de mim, da areia, dos telhados da cidade inteira. Trovoadas bem arranjadas ressoam da orquestra celeste; as águas descem em latência, ora sendo cuspidas com raiva pelas nuvens ora por estas sendo pingadas. De qualquer modo, já estou aqui na praia mesmo. São, exatamente, 23h 06 min.
Volto para casa à procura de mais café e chuveiro pelando?
- Não... Aproveite essa liberdade. Nenhum celular vai tocar, ninguém vai te chamar. Pule nesse oceano e encontre as sereias de olhos esmeraldas. Vá, vá em frente... – alguma voz ecoa tal conselho a mim.
Trôpego, meus pés e eu encaminhamos-se num misto de medo e luxúria, nus, ao encontro – diabólico e misterioso – com o mar. Este, desta vez, não está transparente. Pelo contrário, a noite o oculta, tornando-o parecer com um pântano de contradições e armadilhas. Mergulho e logo o sal me acorda para a realidade nociva a qual me deixo levar.
Todavia, é tarde.
Pois já sinto o toque feminino enroscando o meu corpo em outra cintura, pois já escuto o canto da sereia buscando-me enquanto lambe meu dorso, naufragando junto comigo no gozo do êxtase, platônico, gritante, nu, debaixo do mar salpicado de tempestade. Às 23 h 21 min.