quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

UM VELHO JOVEM FÃ


Só queria entregar para ela as flores, sim, foram retiradas bem cedo pelo floricultor mais antigo da praça central daqui da cidade...

Ah, com certeza, elas estão cheirosas, embora tenha certeza de que o aroma de minha magnífica artista ainda conserve o seu magnetismo de cereja que, nos anos 50, só ela sabia como repousar o líquido fragrante entorno do pescoço, das finas mãos. Ah!

Vai ser mesmo impossível conseguir apenas uns quinze segundos com ela, senhor? É porque sou seu fã há tanto tempo, e hoje, aproveitei que meus remédios fizeram efeito mais do que o de costume e vim, sozinho nessa chuva, prestigiar a minha cantora predilecta.

Não, os primeiros LP's não deu para guardar, até porque lá em minha primeira casa tínhamos mania, quando minha esposa ainda estava neste mundo, de largar nossos discos em cima da meisinha branca de ferro que - ao canto - ficava na varanda. Logo logo o Baião, nosso primeiro cachorro, destruiu o primeiro disco que compramos dela. Mas, a partir do segundo em diante tenho todos muito bem mantidos em minha estante de jacarandá.

Meu filho, qual a tua idade, hein? 26 anos? Então, meu jovem, olhe para mim. Que mal poderei fazer a essa diva rodeada de seguranças e glória? Sou apenas um fã apaixonado que deseja ter seus LP's autografados. Deixe-me entrar, ao menos pela porta dos fundos do camarim, mas permita que eu entre. Daqui a pouco meus filhos vão dar falta de mim e começaram, feito loucos, a me caçarem. Preciso renovar meu estoque de remédio e, por isso, ainda passarei na farmácia mais próxima.

Cinquenta contos só para olhar da janela??! Ah, você vai me perdoar, jovem segurança, mas é muito vintém por pouco prazer! Vamos fazer o seguinte: Te dou 30 contos e um fumo da melhor qualidade, que tal? Não fuma? Nem charuto, nem cigarro?

Humm... E cerveja? Tá certo, está acertado, então. Que bom, você usufrui das magias da cevada.

Era um lusco-fusco, um dia mesclando-se em estrelas e, impactantemente, depois de anos, revi, ainda que na clandestinidade barata, a minha diva. Estava sentada, não era alegre nem triste, mas satisfeita por, após décadas e décadas, prosseguir no leme do sucesso. Atrás dela, jazia um maquilador que desfazia a máscara de pó e mais pós coloridos, brancos, amarelos, vermelhos e róseos, tantas cores querendo apenas tampar uma cor: a da velhice, a do cansaço. Esta cor jaz em mim plenamente, reina, se bem defino o seu cargo.

Contudo, ali, acima do banquinho azul do jovem segurança, sentia-me como se estivésse com os meus 20, 26 anos; e o meu corpo novamente crepitou de prazer, esvaindo-se em êxtase e lembranças amarelas da juventude, fase que... ainda me entra, ainda me flui e exala o mesmo aroma dantes, àquele de cereja, misturado com mel e amor.
Eis, aqui, um velho jovem fã. Até quando será possível, neste mundo de Deus e do Diabo, haver ídolos e seus fãs, e fãs e seus ídolos?