quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

SALPICADO DE ÊXTASE



Saindo de casa por volta de quinze para as onze da noite. Fiz isso para simplesmente admirar a praia, olhar o movimento do silêncio que a noite traz. E com esse calado dos sons, me calar igualmente; do mesmo modo, com a mesma força. E nesse infinito não dizer, tentar entender todos na base do primeiro toque, do primeiro olhar.
Como um caçador que entende cada desvio de caminho, ou um índio, sabedor de praticamente todos os grunhidos da floresta. Floresta? Ainda há? Mas quanta pretensão guardada é essa que me vai por dentro? Querer o silêncio, a floresta, desejar todos os barulhos do mundo e entender o rápido olhar de cada ser...Só pode ser loucura, ou exagerei no café.
Tenho é de ficar quieto admirando a lua cheia refletindo na água da praia enquanto, subitamente, as ondas revoltas não retornam a quebrar sobre a areia lisa e absorvente. Tão sugadora quanto eu do mundo, tão eroticamente pedinte quanto uma morena de calcinha vermelha e seios descobertos rebolando na cara do marido. Ou do amante.
Subitamente, os grilos param de cantar, talvez mortos de exaustão ou envergonhados com a tamanha chatice de seu cântico, e a chuva cai torrencialmente em cima de mim, da areia, dos telhados da cidade inteira. Trovoadas bem arranjadas ressoam da orquestra celeste; as águas descem em latência, ora sendo cuspidas com raiva pelas nuvens ora por estas sendo pingadas. De qualquer modo, já estou aqui na praia mesmo. São, exatamente, 23h 06 min.
Volto para casa à procura de mais café e chuveiro pelando?
- Não... Aproveite essa liberdade. Nenhum celular vai tocar, ninguém vai te chamar. Pule nesse oceano e encontre as sereias de olhos esmeraldas. Vá, vá em frente... – alguma voz ecoa tal conselho a mim.
Trôpego, meus pés e eu encaminhamos-se num misto de medo e luxúria, nus, ao encontro – diabólico e misterioso – com o mar. Este, desta vez, não está transparente. Pelo contrário, a noite o oculta, tornando-o parecer com um pântano de contradições e armadilhas. Mergulho e logo o sal me acorda para a realidade nociva a qual me deixo levar.
Todavia, é tarde.
Pois já sinto o toque feminino enroscando o meu corpo em outra cintura, pois já escuto o canto da sereia buscando-me enquanto lambe meu dorso, naufragando junto comigo no gozo do êxtase, platônico, gritante, nu, debaixo do mar salpicado de tempestade. Às 23 h 21 min.

2 comentários:

Guilherme N. M. Muzulon disse...

no além-morte não sabemos o que há.

JP Rocha disse...

Experiência real que virou conto, ou conto irreal que foi para a realidade?

Surreal, maravilhoso.

Parabéns!