sexta-feira, 16 de julho de 2010

VOZES DO ESPINHO


Preciso de quartos vazios,
Terrenos sem matagal alto,
Seres sem voz;
Preciso do só, do último vento
Para assim chorar meu lamento
Na paz da noite que traz chuva
Preciso das últimas vozes do espinho
Para curar meu desassossego,
Emancipar a dor do mundo de dentro de mim
E, talvez, sanar remorsos e injustiças...
O mundo gira ao contrário:
Em mim é dia, porém por trás da persiana, tempestade...
Ainda assim, eu prossigo em busca do sol.

QUANDO A INSPIRAÇÃO VOLTAR


Pedaços de mim
Jogados no chão, escorridos pela mão
Água que desce,
Eu me dissolvo...
Na imensidão do céu.
Tantos dias que a inspiração
Voa longe, passa do outro lado
Um vazio, calafrio
Sem pulsar nas páginas
Sem sentido
Eu me aqueço em esperar
A inspiração voltar.

terça-feira, 30 de março de 2010

DIVAGAÇÃO À TARDE



Do extrato fez-se o trigo
Que do pão nasceu o vinho e depois, pela madrugada, fez-se a noite
Encantada de dia e arco-íris, numa mistura profunda de ilusões

Marco meu caminhar pelas andanças que a vida me traz

De repente, num súbito grito, os cavalos passeiam na confiança do chão
Que não se abre
Não se parte
É firme, honrado, irmão.


Sem compreensões, sem lacunas ou interrogações
Largo o dedo, escrevo, saio do chão
E encontro a base na mão.
Na saia da asa, no rabo da raia
Sem veneno, mas com sacrifício.

Com amor, com sexo e sem dor.
Marco, esfrio, esqueço, aqueço. Enlevo, alado...
Último retrato dos pastos distantes.
Agora, olho a janela, cimento e vidro fumê.
Nublado e TV.
Chega, desapareço, dói o meu ombro:
Termino:
Não é para entender como desatino, mas sim não esquecer o quanto a escrita faz renascer.

sexta-feira, 5 de março de 2010

MANCHA





Mancha,
Mancha que eu te quero em vida
Marca teu sorriso em mim
Na pele, no olhar
Mancha
A vida de sonhos
Que possamos concretizar
Com as nossas mãos unidas
Mancha que o tempo é fugaz,
Corre com a magia das estrelas
Com a força das marés
Com a certeza da terra
E com o brilho do Ar.
Mancha, de uma vez só,
Com a tinta do amor
Os nossos corações,
Manche-os!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

AMOR DE QUALQUER ESPÉCIE


Saiu da rua com rosto de bêbado, corpo sedento, cansado das emoções fortes trazidas pela madrugada, dentro de sua garganta uma força o puxava para fora dele próprio, e o vômito cuspilava aos poucos entre o pescoço e a roupa. Na gafieira, o sucesso de sua dança não havia surtido tanto efeito quanto era esperado, afinal, seria naquele dia que pediria Aparecida em casamento, mas, em sua inocente língua, a moça fingiu não percebê-lo, entrou desvairada para o salão e só quis se esparramar nos braços do Coronel Fernão, eleito o mais novo prefeito da cidade.

Agora, já com a manhã anunciada pelas nuvens claras, ele vasculhava nas esquinas algum botequim aberto, aberto verdadeiramente, sem o Seu Joaquim ou o Seu Miguel lavando as calçadas sujas de ontem. Pediu a genebra cotidiana para acordar e, sentado na cadeira de ferro verde, contemplou a avenida, parecia mais limpa, com menos barulho de carros, motos, gente se mechendo fervendo em informação e destinos.

Embora esforçando-se, a figura do corpo de Aparecida, macio, nu, construído em divinais proporções, invadia-lhe cruelmente a concentração. Perturbado cada vez mais, competindo a sanidade e sonho, um cahorro magro interrompeu a divagação e pediu-lhe - com o olhar - um café da manhã reforçado. Comprou dois pães na manteiga e viveu o café da manhã com o novo amigo.

Meio dia e ele ainda ali, no boteco. O pão na manteiga já virara pó, transformado junto ao álcool que sempre descia pela garganta, esperando talvez uma nova explosão metabólica. Penalizado, o dono do bar interveio e pediu para que o nosso amigo fosse embora, não, não precisava acertar nada por hoje, amanhã à tarde ele voltaria para quitar as contas. O que tinha de fazer agora era ir para casa e pensar na vida, tomar um banho gelado e tentar dormir, aconselhava o comerciante ao seu antigo cliente.

De verdade, o Vicente ficou assim desde que a viuvez lhe entrou na vida, o dono do bar me dizia enquanto dividíamos um longo cigarro. Mas logo depois de uns dois anos que a mulher dele morreu, se enrabichou por Aparecida, menina mais bonita da cidade, dona de uns pares de pernas maravilhosos. Toda noite ela reina no samba dos homens mais ricos lá no palco da gafieira, e o Vicente só fica olhando para ela, babando, pedindo com os olhos o que o seu coração nunca vai receber. E o pior, ele no fundo sabe disso tudo, mas prefere repetir esse ritual de humilhação e desprezo todos os sábados. Engraçado isso, não é? Eu, nada saio perdendo, pois ele agora passou a destinar o seu salário para dois fins: a gafieira e a genebra do meu bar. E de brinde, ainda ganho a amizade e as confidências do cliente! Cruel, eu? Não, moço! Tô sendo realista. O cabra quer se enfiar na cachaça e o senhor quer que eu diga o quê? Não, Vicente, faz isso não, vai procurar a barra de um padre para chorar ou a gritaria de um pastor para te acordar??

Prefiro que Vicente se console aqui, nas cadeiras do meu bar. Pelo menos, é só a loucura dele mesmo que ele tem de aturar. As más línguas comentam que, de noite, ele sai de casa e anda até o cemitério para conversar com o túmulo de sua esposa. Rapaz, foi uma ruidade do destino, sabe? Eles acabaram de se casar e, passados dois meses, o carro da mulher desabou da ribanceira; isso, aquela mesma na entrada da cidade. Até o antigo prefeito foi ao velório com sua comitiva, pediram perdão pela Prefeitura ainda não ter efetivado os reparos, as obras. Mas o Vicente não quis mais saber de nada, ficou em choque umas semanas, deu seu cahorro - o adorava - ao meu filho e passou a frequentar a gafieira todo final de semana, o resto, o senhor sabe bem.

Impressionado com a derrocada do homem, desisti de qualquer entrevista com ele, pensei que ele poderia piorar muito mais se o procurasse para me falar um pouco dos quadros de sua esposa. Sim, sua esposa era artista plástica famosa, embora morrendo cedo, deixou relevante legado para o mercado nacional e internacional. Também um tanto desanimado, comprei meu novo maço de cigarros vermelhos, reabasteci o tanque do carro e fui embora daquela cidade. Ao chegar próximo do sobrado onde funcionava a gafieira avistei de longe a silhueta atraente de Aparecida, ela não me viu, mas pude constatar seu ato: fazia programa, aquela face inocente e infantil, realizava um rápido serviço agachada em frente às calças de Vicente na lateral escura da gafieira. Após vê-los, acelerei mais o carro para sair mais rápido dali e expirei aliviado. Ao menos, uma vez, Vicente voltara a sentir prazer em sua vida. Não seria com a minha matéria que ele retornaria à vitalidade, mas sim com um novo amor, mesmo combrado a dinheiro pouco. Dotado dessa rapariga linda, ele brevemente, não mais seria presa fácil da cachaça ou dos comerciantes simpáticos. A rapariga, de certa forma, o libertaria da crosta, da ostra em que ele mesmo se metera. Sim, o amor salva, de qualquer modo, de qualquer espécie. O prazer, sem dúvida, enobrece, em qualquer canto, sob qualquer prece.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

UM VELHO JOVEM FÃ


Só queria entregar para ela as flores, sim, foram retiradas bem cedo pelo floricultor mais antigo da praça central daqui da cidade...

Ah, com certeza, elas estão cheirosas, embora tenha certeza de que o aroma de minha magnífica artista ainda conserve o seu magnetismo de cereja que, nos anos 50, só ela sabia como repousar o líquido fragrante entorno do pescoço, das finas mãos. Ah!

Vai ser mesmo impossível conseguir apenas uns quinze segundos com ela, senhor? É porque sou seu fã há tanto tempo, e hoje, aproveitei que meus remédios fizeram efeito mais do que o de costume e vim, sozinho nessa chuva, prestigiar a minha cantora predilecta.

Não, os primeiros LP's não deu para guardar, até porque lá em minha primeira casa tínhamos mania, quando minha esposa ainda estava neste mundo, de largar nossos discos em cima da meisinha branca de ferro que - ao canto - ficava na varanda. Logo logo o Baião, nosso primeiro cachorro, destruiu o primeiro disco que compramos dela. Mas, a partir do segundo em diante tenho todos muito bem mantidos em minha estante de jacarandá.

Meu filho, qual a tua idade, hein? 26 anos? Então, meu jovem, olhe para mim. Que mal poderei fazer a essa diva rodeada de seguranças e glória? Sou apenas um fã apaixonado que deseja ter seus LP's autografados. Deixe-me entrar, ao menos pela porta dos fundos do camarim, mas permita que eu entre. Daqui a pouco meus filhos vão dar falta de mim e começaram, feito loucos, a me caçarem. Preciso renovar meu estoque de remédio e, por isso, ainda passarei na farmácia mais próxima.

Cinquenta contos só para olhar da janela??! Ah, você vai me perdoar, jovem segurança, mas é muito vintém por pouco prazer! Vamos fazer o seguinte: Te dou 30 contos e um fumo da melhor qualidade, que tal? Não fuma? Nem charuto, nem cigarro?

Humm... E cerveja? Tá certo, está acertado, então. Que bom, você usufrui das magias da cevada.

Era um lusco-fusco, um dia mesclando-se em estrelas e, impactantemente, depois de anos, revi, ainda que na clandestinidade barata, a minha diva. Estava sentada, não era alegre nem triste, mas satisfeita por, após décadas e décadas, prosseguir no leme do sucesso. Atrás dela, jazia um maquilador que desfazia a máscara de pó e mais pós coloridos, brancos, amarelos, vermelhos e róseos, tantas cores querendo apenas tampar uma cor: a da velhice, a do cansaço. Esta cor jaz em mim plenamente, reina, se bem defino o seu cargo.

Contudo, ali, acima do banquinho azul do jovem segurança, sentia-me como se estivésse com os meus 20, 26 anos; e o meu corpo novamente crepitou de prazer, esvaindo-se em êxtase e lembranças amarelas da juventude, fase que... ainda me entra, ainda me flui e exala o mesmo aroma dantes, àquele de cereja, misturado com mel e amor.
Eis, aqui, um velho jovem fã. Até quando será possível, neste mundo de Deus e do Diabo, haver ídolos e seus fãs, e fãs e seus ídolos?