quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

FLOR DE 2010



Escrevo para coroar-lhe, Lua adorada. E neste ponteiro de ano que se finaliza, abro meus olhos, admiro-te, suspiro grandes esperanças e Charles Dickens invade a cabeça. Hoje um velho contou que Charles veio dos Céus, enviado de Deus.
Seja o divino dos escritores, do mar ou do pó; dos católicos, evangélicos ou candomblecistas, olho para você, dama da noite, e peço paz. Rogo por transformação, daquelas nascidas de chama vigorosa, capaz de transcender o grão puído do chão em brilhante flor de maio.
Crianças adulteradas pela desnutrição africana, ou jovens mães da via Apia da Glória; meninas prostituídas da Índia ou calhordas do Senado brasileiro - da nuvem mais dourada sairá, sem dúvida, a luz virgem de um novo sol. Sol do ano novo, vento da nova maré, raiz de outra terra. E, deste modo, a magia da natureza os transmutará, me repartirá em outro, desfalecendo minhas velhas células e programados sorrisos doentios, causando em nós, em todos nós do Mundo, a esperança que age.
Infinito e Imperativo: são com esses tempos do verbo que desejo verbalizar a nossa alma, que de tão individualizada torna-se conjunta, coletiva. Implacavelmente, interdependendo. Tal como a flor de maio suga a água subsolar, tal como a minha janta é retirada pelo suor do carpinteiro. Assim como as águas da minha boca deságuam no esgoto da pia, que se encana até o mar onde os turistas banham-se, onde nos encontramos para amarmo-nos em beijos quentes e esperançosos, à espera de um ano novo melhor. Que venha a flor de 2010, pois a disposição para romper os espinhos do ramo jaz pronta, abastecida de vontade.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

SALPICADO DE ÊXTASE



Saindo de casa por volta de quinze para as onze da noite. Fiz isso para simplesmente admirar a praia, olhar o movimento do silêncio que a noite traz. E com esse calado dos sons, me calar igualmente; do mesmo modo, com a mesma força. E nesse infinito não dizer, tentar entender todos na base do primeiro toque, do primeiro olhar.
Como um caçador que entende cada desvio de caminho, ou um índio, sabedor de praticamente todos os grunhidos da floresta. Floresta? Ainda há? Mas quanta pretensão guardada é essa que me vai por dentro? Querer o silêncio, a floresta, desejar todos os barulhos do mundo e entender o rápido olhar de cada ser...Só pode ser loucura, ou exagerei no café.
Tenho é de ficar quieto admirando a lua cheia refletindo na água da praia enquanto, subitamente, as ondas revoltas não retornam a quebrar sobre a areia lisa e absorvente. Tão sugadora quanto eu do mundo, tão eroticamente pedinte quanto uma morena de calcinha vermelha e seios descobertos rebolando na cara do marido. Ou do amante.
Subitamente, os grilos param de cantar, talvez mortos de exaustão ou envergonhados com a tamanha chatice de seu cântico, e a chuva cai torrencialmente em cima de mim, da areia, dos telhados da cidade inteira. Trovoadas bem arranjadas ressoam da orquestra celeste; as águas descem em latência, ora sendo cuspidas com raiva pelas nuvens ora por estas sendo pingadas. De qualquer modo, já estou aqui na praia mesmo. São, exatamente, 23h 06 min.
Volto para casa à procura de mais café e chuveiro pelando?
- Não... Aproveite essa liberdade. Nenhum celular vai tocar, ninguém vai te chamar. Pule nesse oceano e encontre as sereias de olhos esmeraldas. Vá, vá em frente... – alguma voz ecoa tal conselho a mim.
Trôpego, meus pés e eu encaminhamos-se num misto de medo e luxúria, nus, ao encontro – diabólico e misterioso – com o mar. Este, desta vez, não está transparente. Pelo contrário, a noite o oculta, tornando-o parecer com um pântano de contradições e armadilhas. Mergulho e logo o sal me acorda para a realidade nociva a qual me deixo levar.
Todavia, é tarde.
Pois já sinto o toque feminino enroscando o meu corpo em outra cintura, pois já escuto o canto da sereia buscando-me enquanto lambe meu dorso, naufragando junto comigo no gozo do êxtase, platônico, gritante, nu, debaixo do mar salpicado de tempestade. Às 23 h 21 min.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

PLUTÃO, O MEU SOLO.




FIRME

FORTE

FAÇO

HISTÓRIA COM O MEU dEsTiNo PLUTONIANO

ASSOMBROSO

INFERNAL, MAS...MEU, NOSSO



DIRETO

DO VALE DE HADES

EU RESSUSCITO

DE MIM E VEJO

TODAS AS FLORES DE TODAS AS PRIMAVERAS!


CORAGEM? É O QUE ME TORNO!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

LUVAS



Eram apenas as minhas luvas que estavam soltas pelas janelas, e eu procurava entender porque elas fugiam, e não as via. De repente, deram um salto para cima, tudo se transformou em vento e eu perco o chão das coisas, fico nu no furacão. Já não estou mais consciente, estrelas, trovões. Paro e percebo que furei as unhas, mas elas não passam na agulha. Será sonho, será real?

Será dia ou outono depois da primavera?

Não sei, de fato, quais Deuses nos fizeram, mas o caminho é o caminho, de terra ou de cristal, mas que seja estrada onde se possa caminhar. Isso é o que importa: estar no caminho, parado, sozinho, fluindo...Lentando a mente ou acelerando o coração.
Volto às janelas, talvez uma criança já tenha pegado minhas luvas. Ah! Elas farão tanta falta, pareciam construir minha mão, fazer minhas novas veias. Não me vejo acendendo cigarros sem elas. Amanhã procurarei outras no Saara ou em Teresópolis no final de semana.
Mesmo assim, nunca serão iguais àquelas. Que vieram de um país, Peru. Que vieram, principalmente, do meu amor para mim. E eram a única recordação dele que eu tinha. As luvas traziam parte do seu coração perdido nas grutas de Machu Picchu.
Eram, antes, apenas minhas luvas sobre o patamar da janela. Agora, sou eu a saudade do resquício perdido de quem se foi; tragado pela magia da natureza, deve ter morrido feliz; entre os cheiros dos orvalhos doces e os cânticos inenarráveis dos pássaros corajosos, aqueles que habitam em grandes altitudes.
Agora, mergulho no nublado, fecho a persiana e desapareço. Sem cigarro, sem as luvas; tenho a quentura da saudade e a leveza da música que compomos juntos, àquela última vez na rede do sítio.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ÊXTASE IMORTAL

O dedo mindinho do pé carecia de unha, de agulha, de costura;

Esse dedo é um pedaço de corpo sortido da matéria total

Irreal...

Nessa semana fui convidado pra uma pelada

Lá na esquina da rua sem saída

Tinha à minha vista uma miragem

Jogando em mim paisagem

Loura? Mulata?

Não, eram todas e eram uma

Era a Renata e a Marcela

A Eduarda e a Rafaela

Mas eu e meu dedo só queríamos

Uma taça de gelo para curar o desassossego

Que queima dentro de mim

Vejo elas todas, menos você aqui

Aninhando a cama

Se fazendo pronta ao

...

êxtase imortal

Somos os arautos do nosso encontro;

então, por quê pontos?

Se eu quero rasgar as letras?

Quero transformar esferas, debochar de saudades

E nos colocar - frente a frente - além do imoral!

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

APAGÃO NA MARAVILHA OLÍMPICA, O BRASIL


Alguns dizem que foi golpe político, outros que é o final dos tempos. Mas, o que é de fato necessário conter são as incompetências da esfera governamental desse país. É incrível perceber como que estamos distantes de uma sensatez. A começar pelo fator ambiental, onde todos somos cúmplices por não nos conscientizarmos verdadeiramente com a causa e torná-la uma de nossas práticas diárias, assim como escovamos os dentes e tomamos banho, deveríamos, com esse mesmo rigor, proteger a Terra do fim. Ou melhor, permitir que a nossa civilização reconheça o solo que a abriga;




O Rio de Janeiro, e mais de dez Estados, comprovaram que não possuem infra-estrutura sequer para tempestades, muito menos para apagões. A cidade carioca ficou num breu mais tenebroso do que as desertas - e parcamente iluminadas - ruas da Tijuca, ou do que as tortuosas e nada asfaltadas vielas da Baixada Fluminense. Enfim, quem estava em casa morreu de calor; e quem ficou na rua, morreu de pânico. Fico tentando imaginar quem estava nos metrôs, nos trens, nos elevadores...

Este escrito é mais uma maneira de demonstrar o meu repúdio a toda essa classe dirigente que não se atenta para fatos tão ululantes, como a preservação do meio ambiente e a fiscalização exímia de uma Usina Binacional, como é a Itaipu.

Só espero, Lula, senadores e todos os outros membros do executivo mandão e do legislativo mercenário e estagnatório que as tortas de suas geladeiras não tenham estragado como as carnes e feijões de muitos brasileiros, que, com isso, cada vez mais se indignam e se paralisam na pergunta: " Por quê?"

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

FILOSOFIAS DE CHURRASCO


A mercadoria do açougue custa caro, mesmo que seja também uma comida para cães, a fome do cão não é igual à fome do homem. Este, tem de se ralar, pois o que ele come vale cada tostão, cada moeda do seu bolso. Já o cão, não. É apenas fazer um jeito de excomungado que, num súbito, caem-lhe na frente pedaços de ossos frescos, que foram desgarrados do músculo do boi há pouco.
Carne em vitrines, exalando o puro cheiro de sangue. Líquido tão antigo; aparece em terreiro, em Igreja, em sonhos, em filme, em novela. Seria o sangue mais antigo que o céu? Vermelho que faz sucesso, que incita paixões, torturas e amores.
E o homem que come do açougue expande a auto-estima, churrasco na laje todo domingo para a família ou churrasqueira elétrica na cobertura da Barra da Tijuca. Ah! Àquelas de tijolinho são melhores? Hum... Não sabia, me perdoe. Mas, sabe que é verdade? No subúrbio a gente vê muito dessas expostas logo no segundo pavimento, que, geralmente chamam de terraço. Ou, “área social”.
Pois bem, um dia ouvi dizer, da boca de uma jovem com seus aproximadamente 20 anos, que nós somos feitos de água, amor e tristezas; porém, para finalizar e discordar, escrevo que, na verdade, é da carne que viemos, é a carne o que mais comemos e, por incrível que pareça, no final, a carne se desfaz de nós, abandona-nos sem dó nem piedade. Primeiro, nos deixa a sós com nossos ossos, logo em seguida estamos sozinhos com os cabelos e, por fim, ficamos apenas com nossas almas.
Umas em busca novamente da carne, outras em busca do amor.
Qual será o melhor caminho?

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

CALMAMENTE PALHAÇO




O palhaço arregassa toda a alegria
Deixa-se pronto para arrasar
Envolver com o seu brilho de pirata

A plateia que se honra em lhe aplaudir...

Brilho galante que ao mesmo tempo que fisga, assusta
Atemoriza à mulheres jovens,
À crianças frágeis
Que não entendem o movimento do palhaço

No meio fio da alegria e do desespero

Ele freme as mãos, suspira num sorriso e, pelos armários de si,
Salvaguarda um pesar de um Abril passado;
Quando chocolates não melaram a sua alma.
Vai deixando sua alegria se esvair, derramar pelas mãos


Essa recordação o paralisa; e agora ele jaz estático no camarim
O público o grita, mas não responde aos berros
Pois o amargor do doce não deliciado fincou ransos de melancolia no velho palhaço
O qual nem mais saía, nem mais subia os fios do circo,
as lonas centrais,
Nem mais tocava na rosa escarlate da bailarina
Rosa que ensaia ser o coração verdadeiro da moça

E o palhaço bem que merecia um novo coração, de preferência feito de pétalas
E ornado de trigos frescos

Mas o avivador de almas, o pregador de sorrisos derrama-se sobre o sofá
Tateia as cômodas do camarim à procura da garrafa de uísque
Entorna em si o líquido ainda quente enquanto dos olhos perfeitamente maquilados
Desce uma lágrima.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Entre O Pôr - do - Sol e as Àguas...

Na verdade, a garota não sabe muito bem o que ela quer. Mesmo sob este sol escaldante de Domingo ainda não decidiu se prefere a praia ou ficar debaixo do lençol vendo desenho, apenas na companhia das pipocas e do ar-condicionado.
Ah! Tinha esquecido-me, ficaria à sós ela e sua saudade. Metade dela deixava-se dominar por esta marca doída da recordação, que persiste sempre em atacar-nos nos dias de sol ou de chuva.

Do nada, Mariana levanta-se da cama, procura um chá no armário debaixo da pia da cozinha, mas não o encontra. Olha pela janela, admirando o sol e decide-se: Vai à praia. Dessaruma gavetas à procura de seu recém comprado biquíni roxo e, nas mãos que saltam entre meias, blusas, sutiãs, Mariana reencontra suas velhas cartas. Cartas escritas por cinco anos ao seu primeiro namorado. Tocada, retira-as da pequena caixa de papelão e as acaricia numa mistura de saudade e remorso. Seu interior não admitia a vontade dela o ter perdoado a traição. Foi um impulso tão grande de orgulho (seria mesmo orgulho?) ter mandado ele partir. Afinal, era um homem tão raro...- pensava Mariana.

Qual a distância de um perdão e de um rancor?

Perguntou-se isso pelas três horas que aproveitou das águas geladas da praia. Boiou, boiou, logo depois estirava-se nas areias para contemplar gaivotas mescladas ao anil dominical. Em seu peito surgiu um frêmito, uma emoção diferente. Mariana suspirou entre asfixiada e sonolenta e, ali, entre o pôr - do - sol e as águas de Iemanjá, morreu.

TUDO

Tudo o que eu quero é pousar no seu infinto
Ser junto a você o seu atrito, o seu enfeite
Todo o elã que compõe o seu corpo

Nas esferas todas que envolvem os aromas doces da sua boca
Ou da pele macia
Em faísca de vulcão que só se acalma
Nas águas do meu coração

Olho as estrelas e vislumbro aquilo que vivemos
E rememoro as canções dos sorrisos, que, em dupla,
Agiram na cama, na roda de flores
Nos sofás, no chão, pelos tapetes
Até atingir o ápice do céu interior

Até atingir o núcleo fecundo da carne
Que envolve os ventos e refresca a alma.

Para sempre.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

HOJE, ONTEM E AMANHÃ

Eu ainda me acomodo na escuridão que se derrama da noite e da que escoa de mim. Repouso essas três folhas sobre a velha poltrona da sala da avó.
Logo abaixo, jaz o colchão. Desfiapento, suado de anos, submisso a tantos e tantos corpos, que, nem sempre nus, viveram o prazer. Seja por uma noite sem pesadelos ou em consequencia duma inesquecível cópula.
Quase não enxergo aquilo que escrevo, tal qual uma galinha quando corre entre os gravetos na fuga da navalha, mas não assimila bem o que está por trás dela. Assim estou, sem as certezas firmes que guiam os abismos, que guiam as certezas de um “homem de metas”.
Só que as metas sempre são atropeladas pelos tratores da minha avenida. Comigo, o Improvável está no leme, sendo o condutor das trilhas. Igualmente a agora, sob este quase sem-luz, quem salta acima de meus olhos são estas palavras.
Palavras grandes, sensuais, oferecidas. Estão loucas para agarrarem vocês, despirem seus botões para encontrar as curvas clandestinas. Não é de insônia de que sofro. São 23 h 45 min e sei que, caso deite-me, adormecerei. Entretanto, a chama a qual me alarma chama-se escrita. Fome de papéis e de canetas.
Por isso, a eles me rendo. São companheiros fiéis e sensíveis. Percebem o núcleo dos sorrisos e choros; efusões e mazelas. Nessa solidão mascarada em que me encontro guardo a impressão, assim como protejo a certeza desse suor literário o qual exala de meus poros, de que esse breu transformar-se-á em plena flor de luz. Porque eu não busco mangues. Ao contrário, embora seja (eu e todos nós) a junção de Deus e do Diabo, persisto em fincar meus pés e mergulhar minha alma nas favas tranquilizantes do sol.
Dito isso, poderei aquietar-me de verdade e resguardar estas folhas; dobrá-las em três, quatro pedaços, como se fosse um mapa.
Mapa da mina
Mapa do sonho, do ideal, do corte final com esse mundo. Ou, apenas uma lembrança digna de um diário que sobreviva gerações e gerações da família que pretendo parir.
O ser-humano é algo, realmente, estranho, paradoxal. Somos feitos de sonhos, tão imersos em expectativas e inseguranças, cujo fato suscita e fomenta a criação de ensaios de um Estado, de uma nação, uma moeda “nacional” etc. Criamos uma razão forçada, a qual é, de forma contumaz, reduzida a pó pelo fogo solar do coração.
Salve o Sol!
Salve o coração!
Salve a palavra! Sobretudo, salve os gestos que ressoem paz e mudança. Para hoje, ontem e amanhã;

Pedro Paulo Rosa.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

CHAMA DE MENINA

Um passo solitário até a morte
Terríveis sonhos que teve ontem
Quando sua mente, destemida, ousou abrir
O breu do inferno
Pairou no abismo

Viu que bichos habitavam lá
Paula sentia, no centro de si, o calafrio do cemitério
Descer avenidas
Invadir a sua casa
Penetrando na espinha
Na tatuagem das costas estava marcado o território
Dos anjos de uma asa só

Anjos expulsos e postos à chama do mistério
Ela procura as chaves enquanto a lua vai embora
Acelera fundo, destrói os muros
A garota abre caminhos
Ela é o vento
Paula e o seu sentimento
Menina ansiosa em ser mulher
No orvalho do amanhecer encontra o silêncio

Pára o carro.
- Um café e um pão com queijo, por favor.
Digere-se fazendo refeição.
O pesadelo agora é dia
segunda-feira faz começar o teatro do cotidiano
Que retorna forte
Desequilibrando as essências, os gostos raros, os nortes
E Paula nem mais sabia o que era noite, o que era dia...
Todo o seu corpo flutuava cinza
Sobre a inquietude das ideias do coração.

Pedro Paulo Rosa.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

DE REPENTE

O frio chegou de repente
Entrou por debaixo das frestas
Criou arrepio nas costas da moça
Morena adocicada com olhar ardente

Cheguei pela porta dos fundos
Entro devagar para não acordar o patrão
As mãos femininas já me esperam nos cantos escuros

Na sala do primeiro andar nos chocamos
Beijo a tez dessa mulher intensa. Quente...
A casa está vazia, todos dormem em outra dimensão, somos o cosmos
E o pão da aurora que sussurra
Dentre as montanhas nossos indecifráveis caminhos

Trigo assando, forno aquecendo os corpos
Desenhando o alimento dos vivos; quero seus gritos, urros e língua

Desço sua blusa, você a minha bermuda
Algodões saem das nuvens e forram os lençóis da cama
Onde piso agora é no grão de seus seios
O frio cessa na orquestra da chuva fina sobre a lama que se forma
Junto ao meio-dia

Nesse cotidiano clandestino parecemos ciganos
Fuçando ouro sob farsas
Percebendo a presa antes do bote
Só você e eu sabemos a chave do segredo, a porta do nosso medo
Só você e eu, morena, podemos nos defender do estilhaço do nosso enredo.
Pedro Paulo Rosa.

AMARGO SAL

- Saia já daí, menino! Se você não largar do pé do seu irmão, vou te meter o cacete!
Estrada cheia, mar de carros. Bíblias, Pulgas, dúvidas, calafrio e o sermão pastoral acompanhavam o rebanho dos trabalhadores exaustos talvez pelo laboro, talvez pela mesmice dos seus dias iguais. Frederico, filho de Guilherma, instigava o seu irmão mais novo, Guilherme, a brigar. Nove anos o primeiro; cinco o segundo. A mãe, morena bem apanhada, limpava quilos de roupa em uma lavanderia em Copacabana.
Hoje foi o dia em que trouxera os filhos, magros meninos, para conhecerem o “presente azul”. Para se fazer a surpresa, eles precisaram esperá-la sair do expediente.
- Mãe, demorou muito a senhora! Guilherme já vomitou três vezes de fome em cima do meu colo.
- Fome, Frederico? Dei dois tostões para vocês comprarem o sanduíche!
- Não deixaram nem a gente entrar pra comprar nada, ora! – replicou Frederico, com a pele espessa sob tanta sujeira mesclada à raiva por estar sentindo-se lesado e ridicularizado pelos balconistas das lanchonetes adjacentes.
- Parecem que tavam com medo de nós – continuou. Guilherme estava mais quieto, meio sonolento; de mãos dadas à mãe.
Guilherma desconversou, dizendo que os levaria para conhecerem o tal do “presente azul”, promessa feita há dois anos para os filhos. Pensando entre suspiros e lembranças, a mulher quis cuspir sobre os balconistas. Ora, são tão pobres quanto eu! Onde já se viu, pobre contra pobre?! Homem contra criança?!
A separação não se dava mais por quem não tinha dinheiro ou por quem o tivesse, media-se a inclusão pela aparência do que o exterior mostra. Tal constatação tornou-se um vibrante eco de desespero na cabeça da dedicada mãe.
- Esperem aqui, vou comprar um lanche pra vocês. Hambúrguer ou pão com ovo, meninos?
- Quero x-tudo! – gritou Guilherme
- Não vai dar para voltarmos pra casa. Ou ovo, ou hambúrguer. Trouxe o resto de coca-cola do patrão. Dá pra nós três muito bem, é só o Seu Frederico não meter a mãozona grande dele!
Eles riram, daqueles risos que, se você demorar mais, transfigura-se em lágrimas.
Ao término de cinco minutos Guilherma retornou com os lanches; o dela apenas foi o resto de coca-cola, em porção menor que a dos filhos. Houve insuficiente coragem para ela tirar deles a sua justa porção. As mães, geralmente, conseguem pegar para si as cicatrizes das peles da cria. Correm às mais altas montanhas sob o intuito de conseguir a última água da terra e a dão à prole.
Avenida Brasil cheia. Guilherma se segura no ferro do coletivo, Frederico e Guilherme sentados na escada da saída. Em dez minutos entram dois camelôs; um deles é uma criança de, no máximo, 12 anos. Vendedor de balas. O incrível é perceber tanta gente nascida do amargo vendendo o doce. O ar de conformidade nos rostos daqueles passageiros transformava-se em alegria quando presenciavam mercadorias doces, balas, bananadas, paçoca e cocada. A guloseima parecia pausar a vida incerta, bruta.
Antes de pegar o ônibus, a família foi conhecer o mar (“presente azul”). Os garotos jamais foram tocados pela maresia. Berros, corridas e brincadeiras entre os dois irmãos na praia. Guilherma olhou orgulhosa de si e dos filhos sadios correndo sobre a areia, por uma primeira vez. Ela desconhecia quando poderia ser a próxima. Entretanto observá-los desfrutando da inédita ação foi um êxtase, êxtase tão grande quanto o que a invadia ao se deitar com Naldo, seu segundo marido. O primeiro fora o pai dos filhos, um bêbado que se matou colocando-se em frente ao trem. Naldo não era o seu amor, ela sabia. Pelo menos, pensava, ele dava aos meninos a paciência que não receberam do pai verdadeiro.
Ver-da-dei-ro...Verdade o que seria para Guilherma? Para a estrada? Uma vida sobrevoada por fumaças opacas, exalando exclusão e desespero. Qual verdade ali, naquele contexto, haveria? O amor, eu arrisco nele.
Páro, olho no fundo dos olhos de Guilherma e levanto-me, oferecendo-a o assento. Ela aceita. Retribuo-a com um sorriso sem jeito e pergunto-me: onde guardo, debaixo de qual gaveta, atrás de que móvel, de qual CD resguardo àquela força determinada - que de tanto vigorante - brilhava nos olhos daquela mulher? Mulher comum e nobre; tão doce e tão amarga. Em pé, obtive uma visão melhor do cenário da família, percebendo que Guilherma estava acompanhada das suas duas crianças. Sorri igualmente a elas. Desde então, escutei toda a historia acima. De quando em quando, a lavadeira cessava o verbo para dar vazão às águas dos olhos escorrendo. E eu, ainda sem jeito, ainda indagante sobre meus próprios medos, escrúpulos e verdades. Limpei o amargo suor descendente de minha testa. Amargo Sal, mas lindo constatar a Vida dos que brigam por viver. E beber desse vigor.

Pedro Paulo Rosa.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

DOCE ALMA

Desejava ser as árvores do pomar, estar impressa nas assinaturas das folhas amarelas que cobriam a terra daquela grande casa salmão, onde passava suas férias com os pais. Hoje as comemorações estavam mais empolgadas. O vô Alberto completava 87 anos. A casa exalava glacê, na sala do primeiro andar a torta gelada de morango sobressaía entre outros docinhos ao redor da mesa.
Busca em todos algo comum, que não fosse apenas àqueles votos de felicidade ao vovô. Os sorrisos eram a mesmice da qual ela tentava fugir. Ouviam chamar-lhe várias vezes: “Mariana, pega a vasilha verde no congelador”; “Filha, põe a bolsa da tia Márcia no quarto da mamãe, põe”. Houve um determinado instante em que conseguiu escapulir até o lado de fora do casarão.
Alcançando o jardim, Mariana seguiu sua intuição de jovem menina de 12 anos. Catou as migalhas de bolo salgado do bolso, sua cadela Lisbela rapidamente apareceu guiada pelo seu rabo saltitante. Ficaram, animal e dona, se admirando calmamente enquanto borboletas azuis rodeavam as azaléias próximas.
Bernardo chega com um ramalhete de rosas vermelhas, enlaça Mariana e notas musicais surgem da grama, gravitam entre o casal que valsa plenamente. A residência está reservada para os dois. Ali, só ficou Lisbela, a cã amiga, Bernardo e Mariana vivendo a beleza da música. Harpistas, pianistas foram revelados pelas copas das árvores, que se abriram para mostrar a orquestra que aguardava o casal revelar-se para a magia. Ela voava sob os braços dele; ambos sentiam o pulsar do coração batendo uníssono e tinham como admirador o céu que se despintava de azul, transformando-se em róseo. Um rosa acolhedor.
- Levanta daí, Mariana! Vem cantar parabéns pro vovô, ele ta ansioso, doido para partir o bolo. Onde já se viu, deitada na grama com um sol quente desses? Tá dormindo? – completou a mãe dela, nessa série ininterrupta de interrogações.
Sobressaltada, a garota levantou-se ainda tocada com a realidade latente do que imaginou. Mesmo sendo sonho, ela sentiu que os ventos futuros traziam algo rosado, quem sabe amor? Não se sabia. Nem ela entendia muito bem esse sentimento. Mais animada, tirou fotos com o avô, sorriu, dançou com os primos e cantou no karaokê.
De repente, seu primo Cristiano a chama para entrar na sala para jogarem xadrez.

Mariana aceita.

Agitada, entra pela porta principal, depara-se com um menino pouco mais alto que ela, moreno e de cabelos encaracolados. Eles se encontram num olhar que se choca. Corações palpitam acelerados. “Esse é meu amigo Bernardo. Bernardo, essa é a minha prima, Mariana.” Cristiano sorriu e continuou: “ Para ele jogar com você, Mariana, ele tem de me vencer!”
Os apresentados sorriram um para o outro demoradamente. Ela, dentro do seu peito, sabia que o amigo do primo já a tinha vencido. A vencera no sonho, no passado e no presente. Bernardo e Mariana, atados por um mesmo doce destino, a pureza do primeiro amor.

Pedro Paulo Rosa.

*Conto escrito em homenagem à Vitoria Rosa.

LAURA

A lua paira dentro da noite, vê os poucos transeuntes apressados em busca de alguma diversão noturna. Mas, para o animal malhado em marrom e branco a sua necessidade é sempre a mesma: Dar boa noite à sua dona. Ou melhor, ao que restou da amizade entre ambos.
Dona Laura, muito bem quista pelos seus vizinhos de vila, fez da sua vida uma poesia solitária. Aposentada, sem netos ou filhos, vivia acompanhada de suas bromélias e girassóis. Domingo era o dia predileto, quando ela colocava sua cadeira de balanço roxa no quintal de cimento frio e ficava a admirar sua floresta caseira. As plantas pareciam saltar dos vasos e conversarem com Dona Laura. De repente, porém, o frio do cimento a lembrava da comunicação muda dos vegetais, que apenas exercem a sua fala por meio do seu florescer. Laura encantava-se com essa magia. E metade do domingo passava ali, sentada entre cochilos e conversas com as plantas, no quintal dos fundos.
Eles se conheceram numa terça-feira nublada; Laura levantou-se cedo, foi à padaria adquirir os costumeiros pares de broa e pão doce e, no meio do caminho, deparou-se com uma caixa de papelão que miava. Aproximou-se, um jovem felino malhado. O primeiro lance de sentimentos foi o susto, depois retirou o animal dali e o levou para casa. Não sabia o que fazer com aquilo que se formava em acúmulo no seu peito. Um misto de euforia e curiosidade por aquele visitante. Passeou as senis mãos nos pelos do gato, na barriga, lembrou-se imediatamente da sensação de quando ganhou a primeira boneca de sua mãe, na infância longínqua, esta guardada em alguma das várias caixas de fotografia acima do armário do quarto.
“Vou ficar com você, querido.” – decidiu. O cotidiano dos dois foi crescendo e eles se tornaram grandes amigos. Sentia-se feliz por sua casa ter ganhado mais um morador. Mostrou ao felino as suas cartas da adolescência aos jovens rapazinhos que namorou. Foram poucos, mas intensos. O Ricardinho foi quem teve mais audácia. Transaram nus em cima do capu do seu primeiro carro, um fusca vermelho. Sob uma fina chuva. Os pais de Laura tinham casa em Teresópolis e, quando viajavam, a filha levava à casa de campo não apenas suas amigas (que a acobertavam sempre), mas também seus casinhos. Paulinha era a melhor amiga de Laura, desde a meninice até a sua morte. Trágico fim, atropelamento.
Os vizinhos não entendiam o porquê de Laura não mais pôr a cadeira no portão às sextas pela noite. Tocaram a companhia da senhora e a interpelaram. Laura mostrou-lhes o seu novo “amiguinho”, o gato malhado. Disse às vizinhas que, como já tinha um novo visitante fixo, preferia ficar dentro de casa conversando com ele. “A língua dos gatos é melhor que a dos humanos”. Meio confusas, as vizinhas assentiram com a cabeça, perguntando-se se a velha não estava já caduca.
Dante foi o nome de batismo do felino. Ela jamais imaginaria deixar a vida de modo tão distraído e inoportuno.
Dante ultrapassa as vielas escuras, alcança o muro do cemitério. Bem disposto, salta agilmente o muro e caminha ligeiro até o túmulo de sua única salvadora. Chega mais próximo, sobe no mármore negro e frio e nele aquieta-se durante horas, como se esperasse Laura ressuscitar da terra para conversar com ele sobre a infância dela, juventude e anseios do futuro. Para Dante os dez anos que repetia esse ritual fúnebre parecem apenas dez segundos. O tombo grave sofrido por Laura enquanto andava de bicicleta pelas ruas do bairro para mostrá-lo ipês amarelos surgia na cabeça do gato como se tivesse sido há pouco.
Ele não admitia Laura ter partido, não ter tido as suas mesmas sete vidas. Ele queria poder morrer junto com ela, queria poder quebrar o seu elixir sagrado da vida prolongada. Olhava os girassóis secos enquanto as teias iam se construindo nas janelas da casa e miava, tal qual quando filhote. Seu miado era alto, desesperado. Só encontrava sossego à noite, no cemitério, quando todos na rua tinham guardado seus pés dentro de cobertas e deixado o mundo vazio.
Reabastecido de amor e com menos farpas de saudade no seu peludo peito, Dante ficava sobre o túmulo até o sono lhe cobrir por inteiro, poupando-o de mais angústias, lembranças e madrugadas tristes.
Pedro Paulo Rosa.