segunda-feira, 31 de agosto de 2009

DOCE ALMA

Desejava ser as árvores do pomar, estar impressa nas assinaturas das folhas amarelas que cobriam a terra daquela grande casa salmão, onde passava suas férias com os pais. Hoje as comemorações estavam mais empolgadas. O vô Alberto completava 87 anos. A casa exalava glacê, na sala do primeiro andar a torta gelada de morango sobressaía entre outros docinhos ao redor da mesa.
Busca em todos algo comum, que não fosse apenas àqueles votos de felicidade ao vovô. Os sorrisos eram a mesmice da qual ela tentava fugir. Ouviam chamar-lhe várias vezes: “Mariana, pega a vasilha verde no congelador”; “Filha, põe a bolsa da tia Márcia no quarto da mamãe, põe”. Houve um determinado instante em que conseguiu escapulir até o lado de fora do casarão.
Alcançando o jardim, Mariana seguiu sua intuição de jovem menina de 12 anos. Catou as migalhas de bolo salgado do bolso, sua cadela Lisbela rapidamente apareceu guiada pelo seu rabo saltitante. Ficaram, animal e dona, se admirando calmamente enquanto borboletas azuis rodeavam as azaléias próximas.
Bernardo chega com um ramalhete de rosas vermelhas, enlaça Mariana e notas musicais surgem da grama, gravitam entre o casal que valsa plenamente. A residência está reservada para os dois. Ali, só ficou Lisbela, a cã amiga, Bernardo e Mariana vivendo a beleza da música. Harpistas, pianistas foram revelados pelas copas das árvores, que se abriram para mostrar a orquestra que aguardava o casal revelar-se para a magia. Ela voava sob os braços dele; ambos sentiam o pulsar do coração batendo uníssono e tinham como admirador o céu que se despintava de azul, transformando-se em róseo. Um rosa acolhedor.
- Levanta daí, Mariana! Vem cantar parabéns pro vovô, ele ta ansioso, doido para partir o bolo. Onde já se viu, deitada na grama com um sol quente desses? Tá dormindo? – completou a mãe dela, nessa série ininterrupta de interrogações.
Sobressaltada, a garota levantou-se ainda tocada com a realidade latente do que imaginou. Mesmo sendo sonho, ela sentiu que os ventos futuros traziam algo rosado, quem sabe amor? Não se sabia. Nem ela entendia muito bem esse sentimento. Mais animada, tirou fotos com o avô, sorriu, dançou com os primos e cantou no karaokê.
De repente, seu primo Cristiano a chama para entrar na sala para jogarem xadrez.

Mariana aceita.

Agitada, entra pela porta principal, depara-se com um menino pouco mais alto que ela, moreno e de cabelos encaracolados. Eles se encontram num olhar que se choca. Corações palpitam acelerados. “Esse é meu amigo Bernardo. Bernardo, essa é a minha prima, Mariana.” Cristiano sorriu e continuou: “ Para ele jogar com você, Mariana, ele tem de me vencer!”
Os apresentados sorriram um para o outro demoradamente. Ela, dentro do seu peito, sabia que o amigo do primo já a tinha vencido. A vencera no sonho, no passado e no presente. Bernardo e Mariana, atados por um mesmo doce destino, a pureza do primeiro amor.

Pedro Paulo Rosa.

*Conto escrito em homenagem à Vitoria Rosa.

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